Carpe diem
Você está respirando?
11/17/20243 min read


Nos últimos meses, venho trabalhando o gênero “crônica” com meus alunos. Esse tipo de texto tem como essência um olhar diferenciado para o cotidiano, já que o objetivo é partir de um elemento às vezes considerado até banal no dia a dia, mas tirar dele uma reflexão mais ampla, que abarque questões importantes para nós, seres humanos. Desse modo, para se escrever uma crônica é necessária uma atitude muito especial frente à vida, uma atitude que envolve atenção, presença.
Existe uma expressão latina bastante conhecida: “carpe diem”. Seu significado pode ser entendido como “aproveite o dia” ou “aproveite o momento presente”. Ficou bem conhecida por ocasião do filme Sociedade dos Poetas Mortos (filme da minha vida, mas isso é assunto para um outro momento). Na história, um professor utiliza a poesia para ajudar adolescentes a pensarem sobre seus lugares no mundo, olhando para si mesmos e se descobrindo. Claro que “carpe diem” não significa ignorar completamente o futuro, vivendo de maneira inconsequente. Na verdade, viver realmente o presente é necessário para se pensar o futuro. Essa ideia tem uma conexão bastante significativa com o Zen Budismo, corrente de pensamento que também coloca ênfase numa atitude de presença total em cada momento. Exatamente o oposto do que vemos frequentemente na atualidade: nossos corpos estão aqui, mas nossa mente, muitas vezes, está no futuro, focada em pré-ocupações, vivendo no universo da ansiedade.
Recentemente, uma de minhas alunas me mostrou um vídeo do TikTok, em que a tela estava dividida em duas. Em cada uma delas, algo diferente se desenrolava. A explicação: a estratégia ajuda a manter a atenção dos adolescentes, para que não se dispersem. O detalhe: são vídeos curtíssimos, muitas vezes de menos de dois minutos. Ou seja, estamos numa sociedade em que muitos jovens não conseguem mais manter a atenção em um vídeo de poucos minutos. O que dizer, então, de sentar e ler alguns capítulos de um livro de ficção? Ou de realmente dedicar-se à leitura atenta de um poema, identificando seu lirismo, sentindo suas palavras?
O Zen Budismo tem uma prática chamada “Zazen”. É uma meditação que coloca a ênfase na respiração. No nível mais básico, o(a) praticante coloca o foco na contagem de suas respirações. Parece simples, mas exige bastante de quem não está acostumado a se ouvir. Imersos no barulho do mundo, deixamos de lado os momentos de nos ouvirmos, de olharmos dentro de nós e entrarmos em contato com a riqueza de tudo que nos faz a pessoa que somos. A sociedade nos pede que fiquemos rolando telas, passando rapidamente pela vida dos outros. Sentar e prestar atenção na respiração torna-se até um ato de resistência. Está na essência do que é viver. Inspiração e expiração formam um ciclo, Yin e Yang, elementos que se complementam na criação de vida.
E adivinhem outra prática que ajuda a trazer nossa atenção para o que importa? Escrever.
Como já disse, quem se dedica a escrever crônicas, por exemplo, passa a olhar as coisas do mundo de outra maneira. Assim também ocorre com quem começa um diário: você passa a prestar mais atenção aos elementos do seu dia, pois sabe que escreverá sobre eles depois. A autora Natalie Goldberg tem um livro sensacional, chamado Escrevendo com a alma, no qual alia a prática da escrita com práticas zen budistas. É um dos meus livros de cabeceira. Quando o li, a sensação foi de encontrar alguém que pensava exatamente como eu.
Com a palavra, o professor John Keating, de Sociedade dos Poetas Mortos:
“Nós não lemos e escrevemos poesia porque é fofo. Nós lemos e escrevemos poesia porque somos membros da raça humana. E a raça humana está cheia de paixão. E medicina, direito, negócios, engenharia são atividades nobres e necessárias para sustentar a vida. Mas poesia, beleza, romance, amor… é para isso que continuamos vivos.”
Respire. Escreva. Viva.

