O sentido da vida

Qual é o sentido da vida pra você?

1/9/20253 min read

Acabo de retornar do funeral de meu Sensei de Aikidô.

Comecei a treinar com Eduardo Pinto Sensei em junho de 1993, no Hikari Dojô da rua Armênia, em Presidente Altino. Mal sabia, ali, o quanto aquilo mudaria minha vida. Fui seu aluno durante 21 anos, nos quais sua influência se fez presente em tudo aquilo que envolve seguir um Budô, um Caminho marcial: o Aikidô em si, práticas como a Acupuntura e o Shiatsu, Zen Budismo etc. Foi o Sensei que me ajudou a fundar meu próprio dojô, em 2006 - o Seiunkan Dojô. E em 2014, passei a outra necessária fase, a de voar sozinho, e me liguei diretamente à central da nossa organização no Japão. Mas, apesar de não frequentar mais o Hikari, sempre mantive contato com Eduardo Sensei.

Estar em seu funeral foi, claro, bastante intenso. Toda uma história passa na cabeça. Como Dona Tifumi - viúva do Sensei - disse pra mim: “Tivemos bons tempos no Dojo da rua Armênia, não?” E tivemos mesmo. São vívidas as memórias dos treinos nos domingos de manhã, com o silêncio durante nosso aquecimento no tatame apenas pautado pelo canto dos pássaros lá fora. Aquele espaço era mágico. E a presença forte do Sensei nos envolvia e nos absorvia. Era uma experiência inesquecível servir como uke dele e atacá-lo para que ele demonstrasse a técnica. Eu sentia que ele poderia me destruir facilmente se quisesse. No Aikidô, acho que muita coisa pode ser “dita” e sentida durante a prática, e de maneira silenciosa. Há certos momentos como uke do Sensei de que me recordo nitidamente, pois escreveram algo em meu espírito. E isso vou levar para sempre.

Em seu enterro, pude reencontrar vários companheiros de treino. Alguns que eu não via há cerca de 20 anos. Todos ali conectados por aquele homem que nos havia ensinado tanto. E é bonito pensar que muito dele vai continuar existindo por meio de nós. É nisso que penso, por exemplo, sempre que me despeço de meus alunos no colégio, ao final de cada ano letivo, pois imagino que um pouco de mim, de alguma maneira, será carregado por cada um deles. Essa é uma das belezas de ser professor.

Em 2024, algo que começou como uma piada interna numa de minhas turmas transformou-se num momento bastante significativo no final do ano. Em uma das aulas no 1º D, depois de explicações sobre um assunto novo, indaguei se alguém tinha alguma pergunta. Depois de um instante de silêncio (que todo professor ou professora conhece muito bem) eu brinquei: “Puxa, gente, perderam a chance de perguntar qual é o sentido da vida. Eu responderia.” Imediatamente a classe quis saber a resposta, ao que eu disse: “Prometo que na última aula do ano eu revelarei.” Era para ser apenas uma brincadeira. Mas eles não se esqueceram e, volta e meia, me cobravam sobre essa promessa. O interessante é que conforme o ano foi passando minha relação com aquela turma específica foi se transformando em algo realmente muito bonito. Nossos contatos diários eram pautados pela confiança e pelo carinho, o que tinha impacto direto na qualidade com que as aulas transcorriam - e eu realmente acredito que educação, por envolver pessoas, tem que envolver afeto. Afeto até no sentido mais amplo da palavra: tudo aquilo que nos afeta, que nos transpassa e, consequentemente, nos transforma. Tente se lembrar das memórias mais significativas que você tem da época da escola e você vai saber do que estou falando.

O fato é que, na última aula de 2024 - em vez de fazer alguma piada, que era a intenção inicial - eu fiz uma fala sobre como, para mim, muito do sentido da vida tem a ver com as relações que estabelecemos com as pessoas durante nossa existência. E o quanto são importantes as reverberações que nossas ações têm na vida de todos ao nosso redor. Disse isso porque a convivência com aquela turma havia me afetado de maneira muito especial, e eu queria deixar isso claro para ela.

Olhando hoje todos os meus antigos companheiros e companheiras de treino no funeral de nosso Sensei, nosso Professor, não podia deixar de pensar exatamente em como a existência daquele homem nos afetou. O quanto coisas que ele disse reverberam por mim e hoje chegam aos meus alunos - tanto do colégio como meus alunos no Aikidô. O quanto práticas e atitudes que ele sempre manteve fazem parte, hoje, de quem é esse Adriano que escreve aqui para vocês. Acho que é assim que nos tornamos eternos. Nossa imortalidade reside nas reverberações que fazemos vibrar no mundo.

Quais são as reverberações que você provoca?